Foto by Jennifer Glass

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

NOTURNO

Pronto. Perdi o sono outra vez. Me perdi em meio à memes engraçados, vídeos de cachorrinhos fofos, chá de camomila, memórias do ano passado, textos longos, maracugina, fotos de assados, tragédia no Congo e essa mania cretina de ter pensamentos que são seus. Hoje foram quatro horas e dezesseis minutos sem pensar em você. O amanhã nasce no horizonte e onde quer que eu ande sua imagem me persegue. Você aparece em todos os lugares: nas revistas, em uma nuvem, na neve que cai lá fora, nos pingos da chuva, nos rostos de estranhos, no catchup que coloquei na pizza, no mofo do banheiro... Coração entregue, medo que eu me revele paranoica ou obcecada. Nada do que eu pense ou faça ou diga ou escreva me tira a pulga detrás da orelha. Porque nada acontece? Parece que escolhi você de propósito, a distância alimenta a fome. Enquanto a cidade adormece, desperto. Bem que você podia estar perto, coberto de marcas do meu batom. Sete muralhas nos separam e do lado de dentro, onde se protege dos sentimentos, não entro. Não porque não quero, mas porque e os tijolos são impenetráveis. Imploro que logo passe a vontade, mas a verdade é que quanto mais me esforço para não pensar em você, mais o gosto do seu beijo queima em minha boca. Aí fico parecendo louca, escrevendo textos que só são lidos na França, mas tenho esperança que um dia leia e derreta todo esse gelo que não deixa você ser inteiro...


Quando sentir não tem sentido, escrever desopila o fígado...

#existeamoremSP

terça-feira, 15 de novembro de 2016

PRÓLOGO

Enquanto chove em São Paulo, aqui na Lapa trancada sozinha no meu apartamento, já lavei a louça e confesso que tenho preguiça de varrer o chão e passar o pano. Um surto sincero do que sinto, impulso, pulso que segue admitindo quem sou, perdendo cada vez mais o medo de minha própria intensidade...

Enquanto chove na cidade cinza, penso que de algum jeito eu talvez consiga dormir essa noite. Talvez eu nem me importe em dormir sozinha, desde que aqui não entre nenhuma barata. No frio elas estão mais escassas, então me acalmo um pouco e nem peço socorro a nenhum amigo. O maior perigo que corro é me perder em pensamentos que são seus e consomem minha rima não me deixando falar de outra coisa...


Enquanto chove lá fora percebo aqui dentro fluir o desejo num mar sem fim que em seu riso deságua. Você não se esforça para ser diferente do difícil e me deixa num beco sem saída, poço sem fundo. Lá fora um mundo de oportunidades batem à porta e nenhuma delas tem importância. Sua implicância comigo ainda vai me matar de medo. Tenso castigo que impõe sobre a luxúria esdrúxula da qual não consigo me livrar.

Tortura, os pingos da chuva caindo sem molhar, poder sentir seu cheiro enquanto olho sua foto sorrindo longe de mim. Ouvir canções do Reginaldo Rossi, para que eu possa esquecer de tudo que fizer mal ao amor por você e suas mil maneiras de tentar me afastar por medo desse desejo sem explicação que teima em ser faísca .

Se arrisca e me ensina o seu caminho. Ando sozinha ultimamente. Cercada por gente de todos os tipos, só com você fico contente. Me aceite como sou e te dou meu sorriso. Paixonite aguda, volúpia, pele, pelos, beijos molhados, suor perfumado, sua por inteiro. Apelos. Se arrisca que eu me arrisco. Acaba com essa agonia que condena a poesia a ser tua eternamente...



segunda-feira, 4 de julho de 2016

REALISTA ou QUANDO VOLTO PRA CASA


Achei a poesia que botei na sacola
Pouco importa o quanto demora perceber
Viver de palavras não paga as contas
São tantas manhãs sem sono
É tanto abandono
O âmago cobra soltar sentimento
Prender atormenta
Não aguenta a hipocrisia
Mentes cheias de si, mas vazias
Inventam desculpas para se coroarem
Soltarem amarguras
Visto a armadura de Jorge e encaro o dragão
Na lua os sonhos são vistos de perto
E lá permaneço
Eu, Jorge e a sacola de poesia
Que andava esquecida embaixo da pilha de contas a pagar

quinta-feira, 16 de junho de 2016

EPÍLOGO OU QUANDO DRUMMOND ENCONTROU QUINTANA NUM BAR NA LAPA

O amor chegou, bateu na porta na hora errada. 
A aorta começa na carótida e nem termina.
Enquanto isso você me ensina a te esquecer.
Sendo cada vez mais sua memória, seu jeito, seu abraço, seu gosto.
E nada do que gosto em ti satisfaz em outro.
Um gosto fugaz e um jeito de olhar com desapego que me levou ao desespero uma vez.
Águas passadas.
Hoje ri do meu apelo.
Também rio por dentro.
Jogando um jogo que me deixa confusa.
Não sofro, ando ocupada.
Intriga saber meu cheiro, seu desejo inflamado.
Deixa o ciúme velado, deixa a porta aberta.
Minha poesia é sua, minha voz também.
Mais de cem amores passaram, passam, passarão.
Enquanto o nosso passarinho...

sábado, 5 de março de 2016

ENQUANTO A LUA NÃO MUDA

Ando inspirada. Aparadas as arestas cicatrizam feridas. A vida, infinita forma de ser patético. Complexo excesso de culpa. Puta medo. Desejo intenso, segundas intenções. Tesões, tensões. Palavras lavam a alma, intacto reflexo do sentimento puro. Ao mar recorro para lavar mágoas. Sal, lágrimas. Um mergulho e o profundo se acalma. Reclamar atrapalha. Transformando estado de espírito e atitudes passadas, amadureço. Permaneço inteiro, intenso. Resto de poeira cósmica que desaparece na lua minguante...

sexta-feira, 4 de março de 2016

Doi(í)do

Tiro a máscara e assumo meu gosto, tão seu. Fui pro céu e pro inferno, e ainda estamos em março. Abraço a crueza, não sei ser sutil. Ando solto, na boca o gosto de espaço queimado e estrelas tristes pela lua morta. A noite fria incomoda quando não está perto. Decerto já esqueceu, outros rostos eram dez, cem, mil, milhões. As desilusões do passado permanecem por onde passo. 
Tiro a máscara e assumo meu gosto, tão árido. Caídas no infinito rouco das meias verdades, mentiras inteiras. Úmida vontade de ser sua enquanto noite. Mas a lua está morta, as estrelas são tristes. Todos os caminhos insistem em roubar minhas palavras. 
Tiro a máscara e assumo meu gosto, tão tosco. Insignificante alvoroço rebulindo meus medos. Desejos inteiros, intensos. Busco imagens coloridas. Faltam flores e você. Palavras dilaceram minha força, expõem meus segredos.
Tiro a máscara e assumo meu gosto, tão cedo...

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

TENTATIVA FRUSTRADA DE SONETO EM HOMENAGEM À SHAKESPEARE E/OU FÊNIX DE CARNAVAL RENASCE NA QUARTA-FEIRA DE CINZAS


a marca da dentada
cravada no pescoço
escorre sangue, provoca o gosto
desperta lágrima açucarada
discorre, não leva à nada
afunda no fundo do poço
da esperança nenhum esboço
nem há corda pendurada
não há cordas no cavaco
para compor um samba canção
restou uma caixa de fósforos e uma vela
não seria mais aquela
mas ainda é a mesma
sempre a velha promessa
partindo da premissa
que não pressa nem nada
nem desespero, nem conto de fadas
caminhar solo na estrada
alguns desencontros
levar porrada
cair e cair e cair
atrevimento levantar
sempre atrevida
entre a vida e a vida
prefere viver
intensamente
para quando chegar a morte
(única possibilidade que não é hipótese!)
passar pela mente
pensamento
missão comprida
missão cumprida
sem corromper a essência
o resto é silêncio

sábado, 2 de janeiro de 2016

Dinâmica e Realista

Então não consegue ser moldada à perfeição. Não há forma que se aplique no seu caso. Seu descaso com as aparências é essencial. Veio nas entrelinhas que aprendeu a ler, ainda criança. Um mix de bala de jujuba, doce de leite de graxa e metáforas. Händel, Tchaikovsky, a avó tocando Bach no piano de armário no apartamento com cheiro de maresia e banha. "Você nunca vai ser a Nadia Comaneci". A família repleta de peitos e bundas e pernas e curvas. Aquela ginasta era tábua. Pulava 3 metros aos 2 anos de idade, treinava igual louca, não comia carboidratos. Enquanto fechava pastéis de queijo e presunto com a ajuda de um banquinho para alcançar o balcão enfarinhado, queria ser a ginasta. Realista preferiu os pastéis e as balas de jujuba. O doce de leite de graxa guardou como memória negativa, daquelas que puxamos quando 'a primeira impressão é a que fica', mas a banha, os pastéis, o papel na sociedade e os constantes e diários debates formaram uma forma meio ar, meio água, um bocado de terra e tão pouco fogo que até que é bom. 
Levou muita surra, as doloridas, as de supetão e as que nem devia ter levado de fato, mas tagarelava tanto que acabou sobrando umas porradas.
Vida, sua engraçada! Um tombo com a cara no chão é melhor que cair num buraco. Esse mix de ar e água tornaram as coisas mais dinâmicas. Levou porrada, levanta! Perdeu os dentes, sorri de leve! Tantas coisas perdidas entre o relógio de mamãe e as oportunidades de ficar calada. Fugir das alcovas fazendo estrondo. Nada tão redondo quanto a Terra girando ao redor do Sol. Passam dias, meses, anos. Passa a vontade de ser ginasta e começa a vontade de coisas muito mais esquisitas. Vontades de artista, que reinventa a si mesmo e com o passar do tempo e a aceitação do que é de fato, orgulhoso exibe seu pastelão de comédia mexicana com aquele toque de Beckett e referência no Picasso.
Sem forma pré definida, rio que tudo arrasta quando as margens lhe comprimem, cansam as tentativas de molde. Faz tempo desde a descoberta do rio que não se molda, e as bostas resultantes dessa falta de espírito hipócrita já não mais reverberam em dimensões alarmantes. Tremem as estruturas, que talvez até sejam seguras por existirem os defeitos. Não existe jeito certo, levando em conta que uma hipótese pode ser comprovada de formas diferentes, chegar à luz da certeza não é teoria válida. Não saber de nada. Sentir. Sentir tão verdadeiramente que chegue a suspeitar que etiquetas sociais são bobagem. Verborragia a palavra errada. Ninguém sabe de nada. A gente só imagina e desperdiça energia em conversas inúteis. Quem não puxa o saco do cara que vai te foder amanhã e nem puxa o tapete de quem te ajudou, quem fala o que pensa e não se importa com aparências ganha a etiqueta de transgressor, agressor, vilão mór dos problemas. Espelhão gigantesco do ego alheio. Relação é espelho. Dinamismo é recomeço, sem temer os tropeços, quedas, porradas, agressões. A vida é tão bonita quando descobre que até pouco tempo atrás Matemática fazia parte da faculdade de Filosofia, que não é mais considerada Ciência por alguns acadêmicos ceticistas. E quando se chega a divisão do núcleo do átomo num Universo infinito, entende que mutações nas verdades são possíveis e percebe o rio que sem nenhum fator externo agressivo permanece nas margens que criou para si mesmo.
Referências usadas nesse texto: Cecília Meirelles, Elisabeth Bishop, Brecht, Luiz Fernando Guimarães, Clarice Lispector, Nietzsche, Platão, Luiz Gasparetto.